Transeuntis Mundi no MAC 2023 – Texto curatorial

SOMOS TODOS TRANSEUNTIS MUNDI
por Alexandre Milagres

Somos e estamos em contínuo movimento. Do macro ao micro, do planeta à partícula, somos um estado de inconstâncias e mudanças. Nossas inquietações mais profundas estão sempre conectadas aos desejos de nos movermos no espaço e nos transformarmos enquanto espírito. Sair, ou antes, apenas ir. Afinal, não há como voltar para casa. O local de onde partimos nunca estará como deixamos.

Tendo as migrações humanas como ponto de partida, o projeto Transeuntis Mundi (TM), criado em 2018, conecta-nos à própria história de seus idealizadores. A artista e musicista brasileira Cândida Borges, uma mistura de Bahia com Niterói (Rio de Janeiro/Brasil), cruzou o Atlântico para desenvolver seu PhD em Artes na Universidade de Plymouth (UK). Já o artista Gabriel Mario Vélez, natural de Medellín (Colômbia), obteve seu doutorado em Artes na Universidade Complutense de Madrid (Espanha) e realizou um pós-doutorado em Córdoba (Argentina).

O conjunto de obras da exposição “Transeuntis Mundi – Deriva 01” nos convida a refletir sobre nosso nomadismo ancestral, nossa presença e nossos movimentos ao redor do mundo, por meio de tecnologias de realidade virtual, realidade aumentada, composições generativas, apresentações e performances. Imersos nessas obras, deslocamos-nos por Colômbia, Brasil, Inglaterra e Estados Unidos, saltando virtualmente e experienciando o cotidiano de um conjunto de 13 cidades.

Do apito do trem próximo a Zilker Metropolitan Park, em Austin, às ondas de uma pequena praia do Rio de Janeiro, somos chamados a um aflorar de sentidos, a experimentar uma corporeidade latente que passa a estranhar o mais corriqueiro dos cotidianos: o casal comprando batatas em uma feira, a criança se equilibrando em um patinete, o cachorro solto em uma praça, o carro subindo uma rua, pessoas correndo em um parque ou entrando em um rio, tudo ao redor ganha uma simbólica relevância.

Movendo-nos pelo mundo, observando “à espreita”, como nos propõem os artistas em uma deriva que conecta povos e culturas de lugares tão distintos, algumas comparações naturalmente ganham corpo. Das feiras em Rochester às que ocorrem em Niterói, seríamos mais parecidos do que achávamos ser? De Popayan a Plymouth, em meio às variações e recombinações culturais que cada instante e localidade proporcionam, podemos dizer que brincamos, caminhamos e conversamos ainda assim como uma só humanidade? Seria também a “humanidade”, essa noção totalizante do que somos, um conceito em movimento?

Encontramos na Deriva 01, proposta pelo Transeuntis Mundi, um chamado e uma oportunidade para nos revermos e, quem sabe, experimentarmos outras variações de nossa condição transhumana, “mutações” como nos propõe a obra generativa que, a partir de dados e coleções do DNArchive Project, recombina paisagens sonoras e visuais de diferentes pontos do mundo, gerando sonoridades que podem vir um dia a ser um dos destinos de nossa inquieta caminhada humana.

Aliás, é necessário também nos perguntarmos o quanto essa caminhada ao longo das últimas décadas – ou mesmo em todo último século – poderia estar sendo feita às cegas, não apenas metaforicamente. Vivemos o antropoceno, uma era deste mundo em que se vislumbra no horizonte os impactos de nossa ação, mas, apesar de claramente sensível, há quem continue caminhando sem nada perceber, movendo-se só para continuar seguindo em frente, sendo o mundo e as pessoas ao redor um mero cenário conhecido, cinza, embaçado, comum e desinteressante.

Desautomatizar os sentidos torna-se, então, mais que um processo artístico, um ato-manifesto essencial a cada um de nós, como nos propõe a Partitura Poética: “você é um transeuntis mundi. / comece sua jornada reconhecendo onde você está, / o que ouve, o que vê e quem você é.” Pare alguns minutos e ouça ao redor, estranhe o que está neste ambiente e, ao sair da exposição, mantenha-se desperto, busque suas raízes nômades e dê uma nova chance àqueles que caminham contigo. Somos todos ‘transeuntis mundi’. Se chegamos aqui juntos, conseguimos juntos também mudar a direção.

Serviço:

Exposição: Transeuntis Mundi Deriva 01

Instalação imersiva sonora e audiovisual, com realidade virtual, aumentada e projeções. Obras de arte e tecnologia sobre a migração humana milenar – transculturalismo, transhumancia e transmidialidade. Presencial e online.

Essa exposição no MAC é realizada pela Criarte Casa de Arte e Cultura e Rapsódia Empreendimentos Culturais, com o apoio da Lei municipal de Cultura na cidade de Niterói. O projeto conta com o apoio à pesquisa e arte da Universidade de Antioquia (Colômbia), do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), que faz parte da Dasa, maior rede de saúde integrada do Brasil, do projeto Music Not Impossible, e da empresa Zoom North America. Agradecimentos especiais ao MAC, à Prefeitura de Niterói e Fundação de Arte de Niterói! Obrigadx!

BIOS

Cândida Borges

Artista

Musicista, compositora e artista transmídia. Realiza projetos artísticos com tecnologias emergentes, explorando os temas da transculturalidade e migração. Doutora em Artes pela Universidade de Plymouth (UK, 2022), Bacharel e Mestre em Música/Piano  pela UFRJ (RJ/2005), especializada em Produção de Música Eletrônica pelo SAE Institute (NY/US). Cândida desenvolve carreira como artista e educadora e é co-fundadora do Projeto Transeuntis Mundi.

Gabriel Mario Vélez

Artista

Artista visual e transmídia colombiano, Decano e Professor de Artes da Universidade de Antioquia (CO), Pós-Doutor em Artes pela Universidade Nacional de Córdoba (ARG) e Doutor em Artes pela Universidade Complutense de Madrid (ESP). Gabriel é também co-fundador do Projeto Transeuntis Mundi.

Alexandre Milagres

Consultoria Curatorial

Curador e consultor de projetos de arte e inovação, concept-designer de instituições culturais. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais, iniciou sua trajetória artística na cena da videoarte mineira no início dos anos 2000, com obras singlechannel e videoinstalações apresentadas em mostras e exposições nacionais e internacionais como o VAD (Espanha), Videoformes (França) e Video Art Center (Japão). Liderou as ações educativas do Festival de Arte Digital, foi curador no Espaço da Diversidade Cultural do Sesc Venda Nova, membro do Conselho Curatorial da Bienal de Arte Digital, curador (2019-2021) do edital internacional ‘CoMciência: ocupação em arte, ciência e tecnologia’ do museu MMGerdau, além de gestor de museus públicos mineiros como o Museu Mineiro, Museu Casa Guignard, Museu Casa Guimarães Rosa e o Centro de Arte Popular.